sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre os ocos fogos tradicionais

       Deitado em minha cama, no escuro, ainda conseguia ouvir os alegres fogos de artifício (ou seriam fogos de alegria artificial?). Na rua, centenas de jovens almas de branco festejavam “o novo”, abraços sinceros ou não enfeitavam a noite barulhenta e champagnes eram desperdiçadas a troco de alguma coisa que as almas velhas, como a minha, estavam em casa tentando descobrir o que era. “Eu poderia estar lá” pensei de modo forçado. “Eu quero estar lá?” Não. Eu já quis; naquele momento, entretanto, não queria mais. “Por que estão lá?” minha mente se confundia entre a calma do sono e o transtorno da insônia. A vozearia externa aos poucos se dispersava entre o tique-taque do relógio e a minha própria consciência que ainda processava. Quando finalmente senti o peso sobre minhas pálpebras, cedi. Permiti que elas fechassem e levassem-me para longe da balbúrdia combinada. “De que adianta” - ainda ponderei minhas últimas palavras – “De que adianta comemorar a inovação se dentro de si a mudança não acontece?”. Dormi.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Eulalia: Aleluia, Eulália

       Sendo ontem, no mês passado ou mesmo sem ter acontecido, eu lembraria. Sua eulalia me hipnotizava de tal maneira que eu não falava mais nada – e não queria falar. Emudeci proposital e completamente encantado. Não sei se o que dizia era um despejo de todo o seu conhecimento adquirido na encantadora vida ou apenas uma amostra do que andava percorrendo sua mente e gastando o seu tempo. Não importa: se tudo fosse apenas invenção, já me bastava.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Foi, é, ou será?

        Por muito tempo vivi de rotinas e certezas. Você, porém, quebrou-as. Surpreendeu-me colocando em jogo todos os sentimentos por mim escondidos durante felizes (entretanto incompletos) meses. Talvez agora, passado esse exato tempo, tenha nascido o fruto do que construímos quase sem querer.
Dói que sejamos tão incompatíveis externamente quanto sincronizados mental e interiormente. Poderíamos viver na suposta felicidade e sintonia eterna se tantos fatores externos dos quais dependemos não nos impedissem disso. Bandeira, em um dos seus poemas tísicos mais famosos, lamentou: “A vida que poderia ser sido e não foi”; Tezza, em um verso realista apresentado no seu romance-biográfico, completa e complementa: “Nada do que não foi poderia ter sido”. Esse é o dilema que, a partir do nosso desabafo mútuo, passei a querer desvendar. Você consegue ser o que minha razão nunca quis e o que meu coração pede. Deveria eu aceitar que nada pode ser feito ou prantear pelas discrepâncias?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Entre cores e batidas cardíacas

       Por um longo tempo vivi sozinho. Não permitia nenhum tipo de contato mais profundo, meus pensamentos eram compartilhados tão e somente comigo mesmo, e acabei inicialmente escolhendo o silêncio como o meu melhor cúmplice. Nessas noites, quando quieto me rendia a cama, por muitas vezes tentei abafar até meus próprios pensamentos para tentar ouvir se meu coração ainda batia. Ainda e mais um dia. Demorei a perceber que estava entregue à melancolia. Era belo o preto e branco, eu percebia isso... Mas conseguiria eu suportar a tortura do dia-a-dia gritante, da pressão alheia, do meu próprio reconhecimento? Enganei-me ao imaginar que talvez fosse melhor esconder meu desejo de isolamento e, mesmo contrariado, retornar a vida do movimento.
       Rendi-me então e fui pego de surpresa. Havia todo um caminho desenhado para que eu me desprendesse do passado solitário e eu, já não sei se feliz ou infelizmente, embarquei. A angústia, minha velha conhecida dos tempos antecedentes a minha época mental, voltou a correr em minhas veias. Seria esse um ciclo vicioso? Era melhor, como nos medíocres e agitados tempos, não pensar nisso. Tormentas, dúvidas e paradoxos que talvez fossem sem sentido, estavam, com certeza, sentindo. Se antigamente eu fazia silêncio para ouvir se meu cansado coração ainda batia, hoje precisava falar alto para abafar as barulhentas batidas cardíacas.

 
       Escrevo agora já cansado. Confesso ter me acostumado com antiga rotina: Por mais que do lado de fora de minha vida nada acontecesse, são incontáveis quantas voltas e viagens eu fazia sozinho em minha mente. Agora, já não podia mais: tinha cedido a desviar meu pensamento aos outros, me rendendo ao mundo da inquietação externa. Talvez eu perca o pouco que conquistei aqui fora e retorne ao meu quarto. A janela estará, pois, sempre aberta... Sair de novo, entretanto, não sei se devo. Apesar da experiência colorida e cheia de barulhos, dentro de mim ainda paira a não-exposição, os pensamentos sozinhos, o silêncio, e a falta de cor.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Socorro, razão!

Sabia do seu sentimento. Sabia de você. Conhecia toda pouca palavra por ti pronunciada e também suas conseqüências. Mesmo assim meu coração passou a pulsar. Minha barriga por dentro nevava. Os sonhos voltaram a ser constantes. Sua imagem parecia ter sido implantada, à força, em minha mente. Provei ingenuidade acreditando na mudança de quem nunca quis mudar, crendo nas palavras de quem nunca quis falar, entregando-me a quem nunca me quis inteiro. Não te culpava: apenas era alvo da minha inquieta angústia pulsante. Não culpava o amor: fiz dele a inconsciente estratégia para poder pulsar. Se culpei a mim? Ah, e tanto. Deixei-me enganar abrindo a porta para a não-reciprocidade, quando essa dizia ser o nobre sentimento.
Somente o que apaziguava todo esse alvoroço interno era a amiga realidade que a todo o momento desmascarava meus sonhos. Seria a escuridão ofuscando meu ar puro? Tudo de novo, nada novo.

sábado, 11 de setembro de 2010

Um mal-estar sem estar.

      Não era mais possível ficar imóvel, mesmo que fosse torturante levantar.
Nas caixas lacradas e recheadas de passado, resolvi buscar alguma evidencia que justificasse aquela sensação. Abri todas as pastas com a etiqueta “Saúde” e devorei com olhos e mãos todos os relatórios um dia já feitos sobre mim. Corria o dedo pela lista de minhas doenças comuns e forçava-me a ter esperanças sobre o que não precisava ser esperado. Não existia qualquer razão: não ali.
Desde que fui tomado por essa angustiante sensação, venho procurando um motivo que não seja verdadeiro. Eu sabia que meu aparelho respiratório, feliz ou infelizmente, funcionava perfeitamente... Naquele momento, contudo, eu praticava o sempre mais rejeitado e enojado por mim: a fuga. Estava quase insuportável a sensação de sufoco. Do mesmo jeito que minha vida, a respiração não se completava, tornava-se pesada e parecia quase desaparecer apesar de nunca tê-lo feito efetivamente. Não queria entender.
      Estava quase insuportável a sensação de sufoco. Resolvi então obrigar-me a respirar. Frente à porta, inspirei profundamente. O ar entrando em meus pulmões comprimia a dor e isso incomodava ainda mais: Foi o que bastou para que eu deixasse para trás a porta escancarada, o quarto vazio e o que nunca me pertenceu.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Desvendando o espelho

Folheava meu dicionário pessoal rapidamente e, por mais que eu quisesse, não encontrava a palavra. "Locupletar", "Locutor". Ali no meio, nada. Perturbei-me por um curto instante; Mas ao ouvir o silêncio, a calma. Tomei um gole d'água e finalmente olhei ao meu redor. Meu quarto. A segurança de que ninguém entraria. Espalhados pelo chão, centenas de rascunhos. Desenhos, amores e desamores, desabafos ridículos. Objetos em lugares para mim fixos, minhas manias mentais. Como num mergulho no meu oceano tão pessoal e seco, abri novamente o dicionário e, mediando a riqueza e o narrador, escrevi a lápis mesmo "Lócus". Fechei-o e vivi um sorriso em que abrir a boca nem foi preciso.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sobre o amor

Puro é quem nunca sofreu de amor. Quanta inocência possui os olhos daquele que nunca mergulhou em planos frente ao nostálgico porta-retrato que já mais parece um epitáfio do que qualquer outra coisa. Quanta angústia boa nas pernas do pobre esperançoso. Quanta dor no rosto do que sorriu o tempo inteiro. Se paixão corrompe e o amor purifica, como não há de ser corrupção o que o "puro sentimento" faz com a nossa razão?
De maneira alguma digo mal do amor. É conforto, beleza, sonho e cegueira. Mas acaba. Se-para os dois, bom. Se-para um, é evidente a fogueira ainda existente no peito do abandonado. Fogueira que, se antes ardia de paixão, agora chama inconforme solidão.

domingo, 22 de agosto de 2010

Permita o sumiço

Palavras podem falar mais que o vento quando sopra, que a chuva quando molha, que a força quando move e o fogo quando queima. Causam alívio quando esperadas, espanto quando entendidas, esperança a quem concorda e desespero quando acabam sem nada trazer. Letras que se unem, palavras que se formam, frases que se encaixam e pensamentos que nascem. Nascem para viver, vivem para crescer, crescem nos invadindo e nos invadem quando morrem. E somem. Somem em frente ao silêncio. Silêncio esse que consegue falar mais que o vento quando sopra, que a chuva quando molha...