sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Naufragado campo magnético


         Baixo a cabeça e respiro fundo: cada pouco de ar que entra comprime ainda mais a dor no peito. O som da água moldando-se ao casco do barco entoava o maior silêncio já nos presenciado. E gostávamos de silêncio. Mas não agora. Não aqui. Espio a janela e a vejo sentada lá fora, de frente para o mar, de costas para mim. O vento corrente balança seus cabelos. Gostaria de ser essa brisa, penso, para guardar temporariamente enrolados os fios dourados entre meus dedos. Sempre temi que esse momento chegasse. A vida o trás, não há dúvida disso: ou nada ou afoga. Ou direciona o barco, ou naufraga. Ouço nesse momento os passos timidamente decididos vindo em minha direção. Ela me mira suas espelhadas íris que refletem minhas pupilas vazias de certeza. A desesperada desorientação me transborda pelos olhos: é como se no lugar do coração, eu tivesse uma bússola; é como se no lugar do cérebro, ela tivesse um imã. Crash. Apóia, então, suas mãos em meus ombros. Com um rápido movimento com o olhar, aponta o mar e eu entendo. Simplesmente não importa. Nesse momento, só tínhamos um ao outro. Nenhum de nós sabe dirigir um barco e, no entanto, já estamos navegando em alto mar faz tempo. A vida em uma noite, a noite em uma vida. We’re safe tonight. 

Do fim ao início. Do início ao nada.

         Janelas abertas, o sol se pondo. Olho, pela última vez, minha cama desarrumada, como sempre. Tanto agüentou minhas dores, e agora, pela primeira vez, anoiteceria e ela não precisaria sustentar o peso de minha dor. Bato a porta em minhas costas com os bolsos vazios. Ruas vagas. Casas deixadas para trás com portas abertas. Não há ninguém. Caminho em direção ao nada, automático e sem parar, como quem rebobina uma fita cassete. Estou voltando ao início, ao escuro, rebobinando a vida. Não é o fim que chega, somos nós que findamos.

 (Depoimento escrito para 13ª edição da Revista Travessa em Três Tempos, disponível no site http://revistatravessaemtrestempos.blogspot.com.br)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A cadeira que nunca sentarei

         O sol estava se pondo e, apesar do verão do dia 21 de dezembro,
nesse fim de tarde me envolvia um vento gelado. Sentado sob a pedra que
muitas vezes sustentou minhas dores, eu observava Anita inquieta, em minha
frente, caminhando e rindo de um lado para o outro. “Você acha mesmo?” ela
perguntava entre risadas “você acha mesmo verdade essa história de fim?”
Não importava. “Vamos lá, levanta. Você me trouxe para cá, e não adianta me
olhar com essa cara de desentendido, eu sei que esse é o seu lugar preferido
no mundo. Você só vem para cá quando a coisa é mesmo séria.” Paris. Meu
lugar preferido no mundo sempre foi uma cadeira de um bar, no inverno, numa
ruela em Paris. “Você nunca foi a Paris” Dessa vez, calei, apenas encontrando
nossos olhares. Preferir o futuro ao presente: cheque-mate. “Apaga esse
cigarro e levanta dessa pedra logo. Hoje é sexta-feira, vamos encher a cara e
nos amar até o sol nascer. E você vai ver, ele vai nascer.” Tirei do bolso meu
sempre acompanhante cantil de uísque e o joguei, pela grama, em direção
aos pés de Anita, enquanto, com a outra mão, acendia outro cigarro. Que ela
bebesse o quanto quisesse. Que nos amassemos aqui, em cima dessa pedra.
Mas eu não sairia daqui. Não hoje. “Eu odeio. Eu odeio você e essa mania de
ser você mesmo.” E sentou-se ao meu lado, apoiando a cabeça na mão direita
e as idéias no céu.

         Deitado agora sob cobertores que suavemente cobriam a grama,
meu peito acolhe o sono de Anita. Eu já gostei de muitas pessoas. Amei
muitas pessoas. Até ela chegar. Anita não entrou na minha vida. Entrou em
mim. Eu não a percebi, mas demorou apenas algumas semanas para que,
feito vírus, estivesse instalada em minhas células. Cada nova célula produzida
vem com um pouco de Anita. As atrasadas estrelas ainda estão ali, intactas,
iluminando o rumo de meu labirinto mental. É o fim. É o término de toda essa
dor escura que escorre pelas veias e ruas e inunda qualquer indício de sorriso
ou balão de criança voando pelo céu. É o silêncio que deixará de ser abafado
pelas batidas cardíacas. É, finalmente, o antídoto que estourará essa bolha
de veneno na qual respiramos e somos obrigados a sobreviver. O fim de tudo
que não nos é. Noto que Anita está acordada, ela roça o nariz em minha barba
mal feita, como que me chamando, e balbucia qualquer ruído. Então, com as
mais interrogativas íris que já vi, indaga-me sobre o que ela mesma sempre
soube. “Pra sempre é muito tempo, não é?” É. Mas meu fim é dela. Seu fim sou
eu. E será assim sempre. Dormimos.

(Texto escrito para 13ª edição da Revista Travessa em Três Tempos, disponível no site http://revistatravessaemtrestempos.blogspot.com.br)

terça-feira, 31 de julho de 2012

A última das âncoras

Com dor, peço: Construa-se cá dentro, molde-se à confiar na soma. Faz da tua alma meu barco, afoga-me em teu toque, naufraga-me em teus olhos. Derradeiramente, admito: sei que posso sem você. Mas não quero. Vem sem mala, sem medo e sem suposições. Mas não vem pra mim, eu insisto. Vem pra nós.

Contigo, eu dancei. Pra você, eu danço.

Danço. Enquanto você me olha eu timidamente danço e, por dentro, quero. Quero-te em meus braços, entrelaçados aos teus, te provando com beijos o que o meu olhar já grita. E isso é o que mais pulsa em mim: o querer-te. Teu olhar enigmático que a todo tempo pede pra que te invada, que te indague e, gritando, que te traga. Olhar que, na medida em que esconde, quer que eu descubra. Teu beijo entrega, afaga e, com os lábios, abraça. Tuas palavras envolvem, confundem, cortam e fascinam. Tua voz que, ao penetrar em meus ouvidos, como gelo percorre a alma arrepiando cada órgão do corpo. Você. Eu. Nós.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Interruptor de achados

Ele hoje resolveu dormir no escuro. Evaporado foi o medo de não encontrar. Afinal, o que poderia ser procurado se o único sentir que possui não pode ser perdido? Escureceu-se.