sábado, 27 de agosto de 2011

Gotas de você

       Antes, quando ainda respirava sua alma, sofria pela falta de você. Hoje, sou sofrimento e sou por vazio. Sei que, no fundo de minhas gavetas reviradas, a lembrança de seus lábios imanizados ainda planta raiz e por muito, quiçá para sempre, morará. Mas seria amor? Não sabia responder e essa falta de resposta secou-me a boca. Com a mão dolorida (e o que não dói?) abri uma garrafa e, quase sem pensar, consenti que os goles se misturassem e lavassem meus pensamentos. Ligeiramente fechei os olhos e, numa espécie de cena mais veloz ainda, vi-te voando e espontaneamente apanhando-me do fundo. Em teus olhos, sentia não só a tamanha profundidade que se fazia daquele momento como a reciprocidade espelhada em nossas feições, hipnotizando-nos de forma a esquecer de quaisquer resquícios que não nos fosse. Violentamente ergo as pálpebras como quem quer (e, mais do que quer, precisa) livrar-se do que vê. A fim de fugir do impertinente redemoinho que me sugava, esvazio a garrafa. O líquido, fosse ele vindo da garrafa ou dos olhos, afogava e determinava minha verdade universal: ao chegar ao fundo do poço, no fundo do copo, sempre buscarei você. Você, minha soma inconsequente sempre insistindo na “anfivida” de ora encarnar minha esperança e futuro, ora minha perdição e angústia.
       Mas, se no fundo do copo te encontro, como faço para te sumir? Sinto inveterado em mim o vício. Se o vício é você ou o copo, já não me pertence a certeza. Como tudo no mundo, não me pertence. Quase tudo, pois verifico a última gota no fundo do copo - ou do poço? - e é nessa derradeira que me encontro agora.

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