segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A cadeira que nunca sentarei

         O sol estava se pondo e, apesar do verão do dia 21 de dezembro,
nesse fim de tarde me envolvia um vento gelado. Sentado sob a pedra que
muitas vezes sustentou minhas dores, eu observava Anita inquieta, em minha
frente, caminhando e rindo de um lado para o outro. “Você acha mesmo?” ela
perguntava entre risadas “você acha mesmo verdade essa história de fim?”
Não importava. “Vamos lá, levanta. Você me trouxe para cá, e não adianta me
olhar com essa cara de desentendido, eu sei que esse é o seu lugar preferido
no mundo. Você só vem para cá quando a coisa é mesmo séria.” Paris. Meu
lugar preferido no mundo sempre foi uma cadeira de um bar, no inverno, numa
ruela em Paris. “Você nunca foi a Paris” Dessa vez, calei, apenas encontrando
nossos olhares. Preferir o futuro ao presente: cheque-mate. “Apaga esse
cigarro e levanta dessa pedra logo. Hoje é sexta-feira, vamos encher a cara e
nos amar até o sol nascer. E você vai ver, ele vai nascer.” Tirei do bolso meu
sempre acompanhante cantil de uísque e o joguei, pela grama, em direção
aos pés de Anita, enquanto, com a outra mão, acendia outro cigarro. Que ela
bebesse o quanto quisesse. Que nos amassemos aqui, em cima dessa pedra.
Mas eu não sairia daqui. Não hoje. “Eu odeio. Eu odeio você e essa mania de
ser você mesmo.” E sentou-se ao meu lado, apoiando a cabeça na mão direita
e as idéias no céu.

         Deitado agora sob cobertores que suavemente cobriam a grama,
meu peito acolhe o sono de Anita. Eu já gostei de muitas pessoas. Amei
muitas pessoas. Até ela chegar. Anita não entrou na minha vida. Entrou em
mim. Eu não a percebi, mas demorou apenas algumas semanas para que,
feito vírus, estivesse instalada em minhas células. Cada nova célula produzida
vem com um pouco de Anita. As atrasadas estrelas ainda estão ali, intactas,
iluminando o rumo de meu labirinto mental. É o fim. É o término de toda essa
dor escura que escorre pelas veias e ruas e inunda qualquer indício de sorriso
ou balão de criança voando pelo céu. É o silêncio que deixará de ser abafado
pelas batidas cardíacas. É, finalmente, o antídoto que estourará essa bolha
de veneno na qual respiramos e somos obrigados a sobreviver. O fim de tudo
que não nos é. Noto que Anita está acordada, ela roça o nariz em minha barba
mal feita, como que me chamando, e balbucia qualquer ruído. Então, com as
mais interrogativas íris que já vi, indaga-me sobre o que ela mesma sempre
soube. “Pra sempre é muito tempo, não é?” É. Mas meu fim é dela. Seu fim sou
eu. E será assim sempre. Dormimos.

(Texto escrito para 13ª edição da Revista Travessa em Três Tempos, disponível no site http://revistatravessaemtrestempos.blogspot.com.br)

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